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quarta-feira, 29 de julho de 2009

O Jovem Luiz Gonzaga - Dica de Livro

Livro retrata com detalhes e romantismo a vida de
Luiz Gonzaga, sanfoneiro mais venerado do país

Nahima Maciel do Correio Braziliense

Publicação: 29/07/2009 07:56 Atualização: 29/07/2009 08:14


Luiz Gonzaga estava com 18 anos quando entrou para o Exército. Apesar de tocar sanfona muito bem, não sabia ler partitura. Acabou condenado a entoar corneta na banda militar. Afinal, corneteiro não precisava ler as notas e o maestro era severo: quem não entende a pauta musical não pode tocar instrumento na banda. Ironicamente, anos mais tarde Luiz Gonzaga se tornaria o sanfoneiro mais conhecido e celebrado do Brasil. Quando isso aconteceu, já era capaz de ler partitura, mas não foi com a educação formal que as raízes musicais foram plantadas. Essas sementes começaram a florescer muito antes, durante a infância em Exu (1)(PE), onde nasceu. O escritor Roniwalter Jatobá mergulhou nessa infância para escrever O jovem Luiz Gonzaga, o 10º volume da coleção Jovens Sem Fronteiras que a Editora Nova Alexandria lança na próxima semana.


A história do sanfoneiro proibido de tocar porque não lia partitura está entre as mais interessantes do livro, mas é com uma das últimas apresentações de Gonzaga que Jatobá dá início à história. Doente e debilitado pelo câncer, o compositor subiu ao palco em Senhor do Bonfim sem conseguir empunhar a sanfona. Fraco demais, apenas cantou. A cena é contada com detalhes pelo escritor. Há diálogos, pensamentos e muitas descrições, característica que se estende a todo o livro. “Tem muito diálogo para facilitar a leitura porque é uma coleção dirigida a jovens e o texto tem que ser agradável, direto. Busco mais informações por intermédio do que já foi publicado, mas me dou o direito de fantasiar um pouco nesses diálogos, porque é diferente de uma biografia, que tem que ser certinha. Ficcionalizo um pouco em cima de algumas coisas, mas não fujo dos detalhes, não mudo o que aconteceu”, avisa Jatobá, autor de O jovem JK, O jovem Che Guevara e O jovem Fidel, da mesma coleção. Após dois anos de pesquisa que incluiu, além da leitura de todas as publicações sobre o sanfoneiro, visitas aos locais por onde passou e conversas com personagens que o viram no palco, o escritor passou tudo para o papel com a intenção de ressaltar a força de vontade que sempre guiou o músico. “Tento mostrar ao jovem o que o biografado fez para alcançar seus objetivos. No caso do Gonzaga, mostro as dificuldades, mas também a força de vontade que, se ele não tivesse, não teria conseguido tudo o que conseguiu.”

Essência
No entanto, o escritor não se prende a roteiros cronológicos. A leveza de O jovem Luiz Gonzaga vem dos saltos no tempo praticados pelo autor, que narra como se estivesse presente nas cenas descritas e devota especial atenção à infância do sanfoneiro. “O mais importante foi a vivência dele em Exu, onde conseguiu captar toda a essência de sua vida. Essa primeira infância foi fundamental. Ele aprendeu a tocar enquanto escutava o pai e depois usou isso na sua música. Em outro momento importante, ele foge de casa e vai para o Exército. Lá, aprendeu alguma coisa no sentido de conhecer o mundo e viajou muito pelo Brasil.” Mais tarde veio o sucesso. Para consegui-lo, Gonzaga percorreu caminhos tort
os. No Rio, participava de concursos de rádio como sanfoneiro. Não tocava o forró pé-de-serra, sua marca e melhor performance, mas um repertório colhido em outros universos. Tango e outros ritmos costumavam pautar suas apresentações até resolver mostrar as suas raízes nordestinas. Foi então que o nome de Luiz Gonzaga ganhou o Brasil.

O sucesso veio acompanhado de altos e baixos. Jatobá conta que o sanfoneiro nunca entrou em baixa no Nordeste. Nas metrópoles, era diferente. Se não estivesse na mídia, acabava ignorado. “De repente ele desaparecia e depois reaparecia. Nos anos 1970, as universidades redescobriram Gonzagão, mas o auge foi nos anos 1950 e 1960. Mesmo assim, ele sempre viajava pelo interior do país, tocava em cinema, praça pública, circo, onde tivesse lugar para se apresentar.” O mais precioso na figura do compositor, no entanto, era generosidade. “Era um cara brincalhão e solidário com todo mundo. Não deixou grandes fortunas porque dava tudo. Se encontrava um cara com talento tocando nas feiras, mandava ele para a própria casa, no Rio. E tinha uma preocupação muito grande com a sua cidade de origem.”

» 1 - EXU
Gonzaga nasceu em dezembro de 1912 na fazenda Caiçara, no município de Exu, interior de Pernambuco. Hoje a casa é um museu e Exu abriga um centro cultural chamado Asa Branca, em homenagem à música mais conhecida do compositor.

» Leia trecho do livro O jovem Luiz Gonzaga
"Manhã de sábado, 18 de junho de 1988. Uma camioneta Chevrolet Veraneio 1984, de cor bege, cruza a ponte Presidente Dutra – a divisa das cidades de Petrolina, em Pernambuco, e Juazeiro, na Bahia. Sopra um vento frio vindo das margens do rio São Francisco, de época de inverno, mas o calor que chega de outra direção, das terras áridas da caatinga, ao norte, logo vai aquecer o asfalto da estrada de rodagem.

Os cinco passageiros que lotam o veículo são músicos. Entre eles está Luiz Gonzaga, o mais famoso sanfoneiro do país, que vai se apresentar à noite na abertura das festas juninas de Senhor do Bonfim, a cerca de 120 quilômetros de distância. A Veraneio segue devagar. Desde que sofrera dois acidentes de carro, muitos anos atrás, Gonzaga sempre reclama quando o motorista pisa forte no acelerador.

Depois da ponte Presidente Dutra, já em terras da Bahia, a Veraneio entra na BR-407. O carro roda deixando para trás a cidade de Juazeiro. Sentindo um ligeiro mal-estar, Gonzaga aprecia a paisagem à beira da estrada, ali de extrema penúria.

– Aqui é pior do que Exu – comenta.

Um dos músicos gargalha. – Pensa que é brincadeira?

A estrada corta o meio da caatinga, de vegetação árida, de solo seco e pedregoso. De vez em quando, se vê um bode ou uma cabra que pasta perto do acostamento ou um raro pássaro em busca de água e comida.

– Se Exu fosse assim eu não teria sobrevivido – diz Gonzaga.

O carro passa por um entroncamento, à esquerda, que segue para as minas de cobre da Caraíba Metais.

– Por ali dá para se chegar a Euclides da Cunha. E também em Canudos, terra do Conselheiro – ensina Gonzaga, que conhecia meio mundo – Sem asfalto, estrada de terra.

Bem mais adiante, os passageiros cruzam com a pequena cidade de Jaguarari, próxima a Senhor do Bonfim.

Dali em diante, a natureza muda de água para vinho. Em lugar de chão pedregoso e vegetação catingueira, surgem terras férteis, morros verdejantes, nessa hora cobertos de nuvens de chuva.

– Exu é assim – diz Gonzaga, depois gargalha e aponta o dedo para o agrupamento de morros e grotas da serra do Gado Bravo, extensão da Chapada Diamantina, na cordilheira do Espinhaço, e segue em direção a Minas Gerais.

– Pé de serra.

A Veraneio passa pela rodoviária de Senhor do Bonfim.

– O movimento aqui já está grande – diz um dos músicos. – À noite o show vai lotar – completa Gonzaga.

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